sábado, 23 de maio de 2015

A relação indivíduo-sociedade nas obras de Pierre Bourdieu e de Norbert Elias

Luis Afonso Salturi

Artigo publicado originalmente na revista Tempo da Ciência (UNIOESTE), v. 17, p. 111-122, 2010.

Introdução

Ao entrar em contato com as obras de Pierre Bourdieu e Norbert Elias, a aproximação entre eles se torna cada vez mais nítida. Embora suas teorias tenham origens diversas, percebe-se que os dois sociólogos tiveram preocupações semelhantes, principalmente, ao tentarem resolver a dualidade indivíduo e sociedade no âmbito da Sociologia. Tal dualidade vinha se colocando na teoria sociológica desde os autores clássicos, o que impedia um avanço significativo da mesma.
Na Sociologia clássica a separação e a oposição entre o indivíduo e a sociedade são evidentes. Na obra de Karl Marx, não há uma preocupação teórica com essa relação dual, os indivíduos aparecem inseridos em classes sociais por um fator de ordem econômica. A teoria elaborada por Émile Durkheim, ao tratar o indivíduo e a sociedade como entidades separadas, prioriza a sociedade e a integração dos indivíduos nela. Enquanto que, para Max Weber, os indivíduos e suas ações sociais são os elementos que constituem a sociedade.
Na medida em que as inovações teóricas vão se colocando, a Sociologia contemporânea se torna capaz de responder várias questões que os estudos clássicos não conseguiram. Nas teorias sociológicas elaboradas separadamente por Pierre Bourdieu e por Norbert Elias, a sociedade é compreendida como um todo relacional, na tentativa de superar as oposições e a separação entre indivíduo e sociedade presentes desde a Sociologia clássica. Os avanços promovidos por esses autores contribuem o estatuto científico da Sociologia, possibilitando que esta possa ser conhecida por um público ainda maior.

Relação indivíduo-sociedade em Pierre Bourdieu

A discussão teórica acerca da relação entre indivíduo e sociedade é um tema presente ao longo da produção intelectual do sociólogo francês Pierre Bourdieu, tendo como marca seu livro Esboço de uma teoria da prática, precedido de três estudos de etnologia Cabila (Bourdieu, 2002), publicado originalmente em 1972. Nesse estudo, ao explicitar uma problemática teórica acentuada sobre a mediação indivíduo-sociedade, o autor afirma que o mundo social pode ser analisado a partir de três modos de conhecimento teórico.
O primeiro desses modos de conhecimento é o fenomenológico, chamado também de interacionista ou etnometodológico. Numa perspectiva da Filosofia do sujeito, tal conhecimento parte da experiência primeira do indivíduo em relação ao mundo social, sendo este apreendido a partir daquilo que é natural e evidente. O segundo modo de conhecimento é o conhecimento objetivista, representado pelo marxismo e pela hermenêutica estruturalista como correntes teóricas que enfatizam fatores objetivos. Esse conhecimento constrói relações objetivas que estruturam as práticas individuais e suas representações, rompendo com o conhecimento fenomenológico e com os pressupostos assumidos que conferem ao mundo social o caráter de evidência e de naturalidade. Já o conhecimento praxiológico, proposto pelo autor, ao se confrontar com as duas vertentes anteriormente citadas, resulta numa dupla translação teórica, tendo como objeto não apenas o sistema de relações objetivas, mas as relações dialéticas entre essas estruturas e as disposições estruturadas nas quais elas se atualizam e que tendem a reproduzi-las. Sem ser apenas um retorno ao conhecimento fenomenológico, o conhecimento praxiológico supõe uma ruptura com o conhecimento objetivista, não anulando as aquisições deste, mas conservando-as e ultrapassando-as.
Partindo da exposição da gênese e desenvolvimento dessa teoria pelo seu próprio autor, deve-se considerar o caráter inovador da produção intelectual de Pierre Bourdieu, pois o mesmo conseguiu reunir conhecimentos aparentemente antagônicos, ao formular novos conceitos sociológicos. Fato que contribuiu, em certa medida, para colocá-lo num lugar de destaque na Sociologia contemporânea. No seu livro Razões Práticas (BOURDIEU, 2004), publicado originalmente em 1994, o autor comenta sobre o que acredita ser essencial no todo de seu trabalho. Em primeiro lugar, uma filosofia da ciência (filosofia relacional) que atribui primazia às relações e que raramente é posta em prática nas Ciências Sociais, principalmente porque se opõe às rotinas de pensamento social corrente ou do senso comum esclarecido. Em segundo lugar, uma filosofia da ação (filosofia disposicional) que atualiza as potencialidades inscritas nos corpos dos agentes e na estrutura das situações nas quais eles atuam.
Essa filosofia da ação é condensada por um conjunto de conceitos sociológicos que estão dispersos em toda a sua produção científica. Dentre os quais se destaca a noção de habitus que, segundo Bourdieu (2003, p. 38), é a ideia pela qual ele tentou demonstrar como se poderia escapar das alternativas estéreis do objetivismo e do subjetivismo, do mecanicismo e finalismo, nas quais as teorias da ação permaneciam aprisionadas. Partindo dessa linha de pensamento, Bourdieu (2003, p. 53) propõe uma teoria da prática, que é definida por ele como uma ciência da dialética da interioridade e da exterioridade, ou seja, da interiorização da exterioridade e da exteriorização da interioridade, concepção se encontra na gênese do conceito de habitus.
O habitus é uma categoria de análise fundamental para os estudos sociológicos, pois não se refere apenas ao elemento individual, mas também a um grupo ou a uma classe, podendo ser definido como um sistema de disposições duráveis e transferíveis que constituem a estrutura da vida social. Ao integrar todas as experiências passadas, pode ser entendido como um sistema de esquemas de produção de práticas que funciona como uma matriz de percepções, apreciações e ações, tornando possível a realização de tarefas diferenciadas. Como um sistema de disposições inconscientes, o habitus constitui o produto de interiorização das estruturas objetivas tendendo a produzir práticas e carreiras objetivamente ajustadas às mesmas. Portanto, a história da vida de um indivíduo pode ser vista como uma variante do habitus de seu grupo ou de sua classe, na medida em que seu estilo pessoal aparece como um desvio codificado em relação ao estilo de sua época e de sua classe ou grupo social.
Na tentativa de compreender as implicações da noção de habitus, Bourdieu tentou analisar as relações entre estes e os campos sociais. O conceito de campo suporta o de habitus e se constitui noutra ferramenta conceitual importante para os estudos sociológicos. O campo é uma rede de relações objetivas entre posições sociais definidas objetivamente em sua existência e que fornecem determinações que elas repõem aos seus ocupantes, agentes ou instituições por sua situação social atual e potencial e por sua posição relativa em relação a outras posições. Visto assim, o campo é um espaço estruturado a partir de posições de poder e disputas simbólicas no qual pode ser constatada a existência de leis genéricas.
Nessa mesma lógica, as práticas sociais são definidas pelo autor como “...o resultado do aparecimento de um habitus, sinal incorporado de uma trajetória social, capaz de opor uma inércia maior ou menor às forças sociais, e de um campo social que funciona, nesse aspecto, como um espaço de obrigações (violências) que quase sempre possuem a propriedade de operar com a cumplicidade do habitus sobre o qual se exercem” (Bourdieu, 2003, p. 38). Portanto, as práticas são resultantes, por intermédio do habitus, da relação dialética entre uma estrutura e uma conjuntura, entendidas como as condições de atualização deste habitus, sendo este um estado particular da estrutura.
Os habitus são diferenciados assim como as posições das quais são produtos, entretanto também são operadores de distinções. A distinção social é um tema caro ao pensamento de Pierre Bourdieu, que lhe dedicou um estudo amplo. Publicado originalmente em 1979, em A distinção (BOURDIEU, 2007), o autor faz um estudo ao mesmo tempo teórico e empírico em que utiliza e põe à prova vários conceitos sociológicos. Dotados de um habitus, os indivíduos são portadores de uma espécie de senso prático, de princípios geradores de práticas distintas e distintivas, servindo como esquemas classificatórios e princípios de visão e de divisão de gostos diferenciados. Assim, ao longo da obra, o autor demonstra como determinados traços vistos como naturais num indivíduo são, na verdade, produto de uma rede de relações e trocas no espaço social, pois o que comumente chamamos de distinção social, uma certa qualidade considerada como inata, é de fato diferença, separação, uma propriedade relacional que só existe em relação a outras propriedades.
A ideia de diferença, assinalada pelo autor, está no fundamento da noção de espaço social como um conjunto de posições distintas e coexistentes, exteriores uma às outras, contendo em si o princípio de uma apreensão relacional do mundo social e se apresenta vinculada à ideia central de distinção. O sistema social não é somente um sistema de diferenças objetivas. Os indivíduos percebem-se uns aos outros e se comparam, quando as diferenças entre eles entram em sistemas simbólicos surge, então, o espaço de distinções. Sua tese central é que esse espaço de distinções simbólicas traduz e reproduz o espaço das diferenças materiais, que uma vez percebidas, classificadas e apreciadas, funcionam como traços distintivos, afastamentos estilísticos em sistemas de diferenças, tornando-se simbólicas. Pode-se afirmar, então, que os indivíduos e os grupos existem e subsistem na e pela diferença.
O modelo de A distinção, no qual Bourdieu (2007, p. 118-119) representa as diferenças dos agentes por meio de um diagrama, define distâncias que afirmam encontros, afinidades, simpatias e desejos. Por outro lado, a proximidade no espaço social predispõe aproximação. O espaço social é construído de modo que os agentes ou grupos sociais são distribuídos conforme a posição que ocupam nas distribuições estatísticas, de acordo com dois princípios de diferenciação que prevalecem nas sociedades mais desenvolvidas: o capital econômico e o capital cultural. De modo geral, o espaço de posições sociais, pela intermediação do espaço de disposições, se retraduz em um espaço de tomadas de posição. A cada classe de posições corresponde uma classe de habitus. Assim, uma das funções desse conceito é a de dar conta de unidade de estilo que vincula as práticas e os bens de um agente singular ou de uma classe de agentes.
Essas observações sobre a aplicação dos conceitos propostos por Bourdieu são fundamentais para compreender como o autor concebe a relação entre indivíduo e sociedade. Nesse ponto, se concentra também a importância de sua teoria para os estudos que tratam sobre trajetórias de indivíduos ou grupos. É preciso então fazer referência ao artigo A ilusão biográfica (Bourdieu, 2004), texto incorporado como apêndice em Razões práticas, no qual o autor discute sobre a história de vida, uma das noções do senso comum que entrou no universo do saber entre os cientistas sociais. Para o autor, falar em história de vida é pressupor que a vida é um conjunto de acontecimentos de uma existência individual concebido como história e narrativas dessa história.
Aceitar essa teoria da narrativa é conceber a filosofia da história com o sentido de sucessão de eventos históricos, já que a narrativa biográfica ou autobiográfica propõe eventos que, mesmo não se desenvolvendo todos, tendem ou pretendem organizar-se em sequências cronologicamente ordenadas e conforme certos acontecimentos que são selecionados e que lhes são dados conexão. No que se refere à narrativa biográfica ou autobiográfica, o autor chama atenção para o fato de que a vida não pode ser concebida como um todo coerente e orientado que pode e deve ser apreendido como expressão unitária de uma intenção subjetiva e objetiva de um projeto. Essa concepção leva à construção da noção de trajetória como uma série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente ou grupo em um espaço ele próprio em devir e submetido a transformações incessantes.
Essa concepção de trajetória aparece também em As regras da arte (BOURDIEU, 1996), obra densa em que utiliza as mesmas categorias sociológicas para analisar, dentre outras coisas, um romance de Gustave Flaubert. A literatura é, então, tomada por Bourdieu como metáfora do mundo social, pois num romance, assim como na vida real, os personagens constroem suas carreiras a partir do espaço social. Isto porque, para Bourdieu, é preciso compreender o campo com o qual cada um se fez. Por isso é que em Esboço de auto-análise (BOURDIEU, 2005), o sociólogo se preocupou em escrever sua história social, apresentando-a de uma forma muito singular, com base em sua trajetória social, experiências, expectativas e desilusões, fazendo uso de sua própria teoria.
Bourdieu redigiu Esboço de auto-análise tendo em mente as questões que procurava responder ao examinar a trajetória dos escritores e artistas como Gustave Flaubert, Charles Baudelaire e Édouard Manet. O livro pode ser visto como uma das maneiras de por à prova sua concepção de trajetória social, e serve como um modelo de aplicação dessa proposta metodológica, por meio da qual o autor afirma que para estudar um autor é importante saber sobre sua trajetória e obra, para poder descobrir quais razões intelectuais e políticas conduziram seu pensamento. Na visão de Bourdieu, cada autor só existe e subsiste de acordo com as limitações do campo, criando seu próprio projeto criador em função da sua percepção das possibilidades disponíveis e inscritas em seu habitus por certa trajetória e também pela escolha ou recusa dos possíveis. Para compreender uma obra cultural é preciso compreender também o campo de produção e a posição do produtor nesse espaço.

Relação indivíduo-sociedade em Norbert Elias

Na teoria sociológica desenvolvida por Norbert Elias a relação indivíduo-sociedade aparece na forma de um profundo e exaustivo questionamento, a ponto do autor lhe dedicar um livro inteiro sobre o tema. É em A sociedade dos indivíduos (ELIAS, 1994), obra publicada originalmente em 1987, que o autor aponta várias questões sobre o tema que vinham sendo levantadas por ele desde 1939, quando publicou sua obra clássica intitulada O processo civilizador (ELIAS, 1990). No início de A sociedade dos indivíduos, o autor afirma que faltam modelos conceituais e uma visão global para tratar da relação indivíduo-sociedade, pois as noções apresentadas nas teorias sociológicas clássicas não levam em conta a interdependência existente entre indivíduo e sociedade. Uma das críticas a esse respeito é o tratamento do indivíduo como “meio” e da sociedade como “fim”. Tal visão prejudicaria o entendimento da relação entre indivíduo e sociedade e o avanço de uma conceituação mais aprimorada. Para o sociólogo alemão, tal relação é uma algo muito singular que não apresenta analogia em nenhuma outra esfera de existência. Na compreensão desse e muitos outros fenômenos, “... é necessário desistir de pensar em termos de substâncias isoladas únicas e começar a pensar em termos de relações e funções” (ELIAS, 1994, p. 25) [grifo do autor].
Na visão de Norbert Elias, uma compreensão clara da relação indivíduo-sociedade só se concretizaria a partir do momento em que tanto o processo de individualização quanto a historicidade forem incluídos na “teoria da sociedade”. Essas duas instâncias, somadas ao conceito de habitus social, entendido como a composição social do indivíduo, que constitui o solo no qual se assentam as suas características pessoais, que o diferencia dos outros membros de sua sociedade. Assim, o autor lança uma crítica à ideia da existência de um “eu” único e exclusivo que habita em cada indivíduo. Pois, por mais autêntica ou verdadeira que seja essa ideia, enquanto expressão da estrutura especial da consciência e dos indivíduos num certo estágio do movimento da civilização, ela é inadequada.
Nesse sentido, segundo Elias (1994, p. 35), os instrumentos do pensamento humano não são suficientemente móveis para tratar adequadamente de fenômenos como a relação indivíduo-sociedade. Uma visão mais detalhada desse tipo de inter-relação é conceito de rede, exemplificado na rede de tecido. Nessa rede, os fios se ligam uns aos outros. Nem a totalidade da rede, nem a forma assumida por cada fio podem ser compreendidas em termos de um único fio ou de todos eles isoladamente considerados. A rede só é compreensível em termos da maneira como eles se ligam, de sua relação recíproca. O movimento dentro da rede nada mais é do que as relações interpessoais. O entendimento dessas questões foi prejudicado pela especialização e divisão de objetos das ciências, fato que ocasionou um crescimento da dependência mútua entre os indivíduos e a diferenciação de cada um.
Essa noção de rede de interdependência aparece em A Sociedade de corte (ELIAS, 2001). Nessa densa obra, ao tomar a sociedade de corte como um exemplo histórico, o autor aponta a incoerência da oposição indivíduo e sociedade por meio do conceito de figuração. Esse conceito permite explicar de que modo e porque os indivíduos estão ligados entre si. Ao tentar compreender a realidade social em sua totalidade, o autor enfatiza as redes ou estruturas de interdependências que se estabelecem entre os indivíduos e que se assemelham a um jogo. Assim, na construção e análise de uma conjuntura histórica, tem-se como premissa fundamental a inexistência de agentes sociais individualizados ou a ideia de uma sociedade “sobre os indivíduos”, mas uma rede de interdependências entre eles, que engendram códigos e comportamentos.
Por meio do conceito de figuração, ao desenvolver essa noção de rede, Norbert Elias contribui de forma significativa para o avanço da teoria sociológica. Outra obra de peso que segue esse modelo teórico é Mozart, sociologia de um gênio (ELIAS, 1995). Nela, o autor concebe a Sociologia como uma ciência que busca entender e explicar o que é incompreensível na vida social. Isso se torna nítido na escolha do subtítulo paradoxal da obra, que permite compreender também como o autor enxerga os estudos sobre trajetórias: “Não é meu propósito destruir o gênio ou reduzi-lo a outra coisa qualquer, mas tornar sua situação humana mais fácil de entender, e talvez ajudar, de maneira modesta, a responder à pergunta do que e deveria ter feito para evitar que acontecesse um destino como o de Mozart” (ELIAS, 1995, p. 19).
Em sua pesquisa, Elias analisa a vida do músico que desde a infância habituou-se ao sucesso se tornando consciente de sua genialidade e que, mais tarde, passou a não aceitar a condição subalterna de serviçal da corte do monarca-arcebispo de Salzburgo, sua cidade natal. Mozart sentia-se injustiçado ao compor para o serviço religioso, situação enquadrada às alternativas que um músico dispunha naquele momento, sendo as escolhas mais sensatas na avaliação de seu pai que também era músico. Para se libertar dos seus patronos e senhores, Mozart lutou com seus próprios recursos em prol de sua dignidade e sua obra musical, mas não conseguiu vencer.
O autor considera importante para a Sociologia buscar compreender os desejos e as pretensões de cada indivíduo frente à posição que estes ocupam na vida social. Elias (1995, p. 13) afirma que para se compreender alguém é preciso conhecer os anseios que este deseja satisfazer. Para o autor quase todos têm desejos claros, que são passíveis de serem satisfeitos, pois a vida faz sentido ou não para os indivíduos conforme conseguem realizar tais aspirações. Os desejos evoluem ao longo da vida de cada um através do convívio social e vão sendo definidos ao longo dos anos. Porém, isto pode ocorrer de repente, associado a uma experiência especialmente grave. Elias (1995, p. 36) também chama atenção para a postura que o pesquisador deve manter em sua pesquisa em relação a essas questões. Para ele o pesquisador precisa partir da perspectiva do eu e não do ele para entender os desejos individuais.
Outra questão interessante que aparece nesse ensaio sobre Mozart é a explicação do autor sobre o processo de transição da arte de artesão para a arte de artista. Para Elias (1995, p. 135) Arte de artesão é a arte feita por encomenda ou sob a proteção de um mecenas por um indivíduo considerado socialmente inferior e para atender às exigências de um grupo de gosto muito específico e hegemônico e, portanto, mais objetiva. Arte de artista é a modalidade na qual o autor, de nível social equiparável ao de seu público e respeitado como indivíduo dotado de talento criador, pode expressar-se com maior subjetividade.
Considerando essas diferenças, Elias (1995, p. 45-52) mostra como alterações da estrutura social podem favorecer a formação de um novo padrão de gosto e estilo redefinindo a relação entre o artista e seu público. No caso específico de seu estudo, Elias mostra como se deu a ascensão da burguesia à condição de público consumidor de cultura, a substituição do classicismo na música erudita pelo romantismo, e a mudança do subalterno artesão para a do artista livre e de nível social equivalente ao do consumidor de sua arte. Para o autor, a trajetória social de Mozart mostra claramente que a virada da arte de artesão para a criação artística livre foi um processo com muitos estágios intermediários.
Seguindo a mesma linha desse seu estudo sobre Mozart, em A peregrinação de Watteau à Ilha do Amor (ELIAS, 2005), o autor analisa a produção de uma tela do pintor francês Jean-Antoine Watteau relacionando-a com o momento vivido pelo artista e as condições que permitiram sua criação. Segundo Elias (2005, p. 23-24), assim como Mozart, Watteau queria sua independência, porém teve mais sorte que o músico, pois conseguiu sua admissão à Academia Francesa em 1712. Nessa época o artista precisava doar uma obra-prima para ingressar na corporação e, então, entregou Peregrinação para Cítera, mas somente em 1717. Elias sabia detalhes precisos e conhecia uma vasta bibliografia sobre esse quadro, cujo tema apresentava três diferentes versões.

Aproximações entre os autores

Os escritos de Norbert Elias lançam uma forte crítica à forma convencional como é concebida a relação entre indivíduo e sociedade tanto pelo senso-comum quanto pelo discurso científico promovido pela Sociologia. O autor trata de questões epistemológicas que remetem aos primórdios da Sociologia, período em que essa problemática já se colocava. Ao realizar essa tarefa, o autor aponta as principais dificuldades do sociólogo frente ao seu objeto de estudo. O autor lança mão da ideia de configuração para suprir a insuficiência dos conceitos sociológicos propostos pela Sociologia Clássica, colocando o problema da interdependência humana como tema central da teoria sociológica. Em muitos aspectos, essa iniciativa de Elias se assemelha às filosofia da ação promovida por Bourdieu, cujos conceitos sociológicos viabilizam uma saída alternativa às análise que priorizam ora o objetivismo ora subjetivismo, separadamente.
Um dos principais empreendimentos desses dois autores foi a atualização e utilização do conceito de habitus na teoria sociológica, conceito que ganhou um espaço ainda maior na obra de Bourdieu, que se preocupou várias vezes em definir o termo. Contudo, é preciso lembrar que o conceito de habitus possui uma longa tradição filosófica, antes de sua apropriação por Bourdieu. De origem latina, o termo habitus foi empregado pela tradição escolástica como tradução da noção grega de hexis, utilizada por Aristóteles para designar características do corpo e da alma adquiridas através de um processo de aprendizagem. Dentre os autores que utilizaram o termo antes do sociólogo francês, merece destaque o historiador da arte Erwin Panofsky e o próprio Elias. Em Arquitetura gótica e Escolástica (PANOFSKY, 2001), estudo apresentado em conferências em 1948 e publicado em 1951, Panofsky utiliza o conceito de hábito mental como o “princípio que rege a ação”. Ao retomar essa análise, Bourdieu estabelece um sentido mais preciso ao conceito e levanta um problema sociológico. Esse sentido é semelhante ao que aparece nas obras de Elias publicadas a partir de 1939, nas quais este define o habitus como “composição social dos indivíduos”, “segunda natureza” ou “saber social incorporado” (ELIAS, 1994).
Numa entrevista, quando perguntado sobre o que achava das comparações de suas análises àquelas feitas por Georg Simmel e por Norbert Elias, Pierre Bourdieu afirmou que só poderia ficar contente com essas comparações. Uma vez que o primeiro foi um autor que ele leu muito e cujas análises, principalmente aquelas sobre a cultura, também gostou. Contudo, Bourdieu ressalta que Simmel confiava demais em sua intuição, e que esta algumas vezes era muito superficial. Por outras razões, Bourdieu se sente mais próximo de Elias, que capta mecanismos ocultos ou invisíveis que tem sua base na existência de relações objetivas entre os indivíduos ou as instituições (BOURDIEU, 2000, p. 48).
Há uma forte semelhança entre os conceitos formulados por Elias e aqueles formulados por Bourdieu, isto porque em suas obras ambos se preocuparam em resolver a dualidade indivíduo e sociedade. A partir de uma leitura e análise apurada dos estudos desses autores é possível notar que ambos lançam uma perspectiva sobre essa relação dual. O ponto de vista de Norbert Elias em Mozart é muito semelhante ao procedimento metodológico que Pierre Bourdieu utilizou em Esboço de auto-análise. Além disso, assim como Bourdieu, Elias lança uma crítica à abordagem histórica que reproduz a ideologia dominante no momento em que supõe um caráter único aos acontecimentos e postula a liberdade individual como fundadora das práticas, por meio de atos voluntários e intenções livres.
Essa proximidade entre os autores aparece também no conceito de habitus. Porém, para Elias o hábito social pode ser entendido como aquilo que constituiria a base a partir da qual derivam as características pessoais que fornecem aos indivíduos a formação de sua identidade. Diferente de Bourdieu, Elias se prende às questões da historicidade e da genética do habitus, se preocupando em explicar a gênese dos habitus e porque estes evoluem e se transformam.

Referências

BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre: Zouk, 2007.

_____. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

_____. A sociologia de Pierre Bourdieu. Organizada por Renato Ortiz. São Paulo: Olho d’Água, 2003.

_____. Esboço de auto-análise. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

_____. Esboço de uma teoria da prática, precedido de três estudos de etnologia Cabila. Oeiras, Portugal: Celta, 2002.

_____. O campo econômico: a dimensão simbólica da dominação. Campinas: Papirus, 2000. 

_____. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 5 ed. Campinas: Papirus, 2004.

ELIAS, Norbert. A peregrinação de Watteau à Ilha do Amor. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

_____. A Sociedade de corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

_____. A Sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

_____. Mozart, sociologia de um gênio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.

_____. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.

PANOFSKY, Erwin. Arquitetura gótica e escolástica: sobre a analogia entre arte, filosofia e teologia na Idade Média. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

A Sociologia da Arte, principais abordagens teóricas e metodológicas

Luis Afonso Salturi

Artigo publicado originalmente em IF-Sophia: Revista eletrônica de investigações filosóficas, científicas e tecnológica, v. I, p. 116-135, 2015.

As correntes teóricas e a problemática da disciplina

A Sociologia da Arte é uma área específica do conhecimento sociológico que carece de abordagens metodológicas aprimoradas. Frente às diferentes perspectivas teóricas que tratam do fenômeno artístico, enfatizando as influências sociais na produção, distribuição e consumo da obra de arte, propõe-se traçar um caminho de leitura e interpretação de autores que, em algum período de sua produção intelectual, trataram a arte como objeto sociológico[1]. Pretende-se, portanto, investigar quais os métodos utilizados pela Sociologia da Arte e quais elementos os autores dessa área vêm utilizando em suas pesquisas para concretizar suas análises.
No ensaio de abertura de uma coletânea sobre Sociologia da Arte, publicada pela UNESCO em 1968[2], o sociólogo alemão Alphons Silbermann afirma que esta área é uma disciplina em “plena expansão”. Segundo SILBERMANN (1971), a Sociologia da Arte nasce quando se trata como objeto de estudo as diferentes formas de arte: literatura, música, teatro e pintura. A criação de centros universitários, a inserção dessa disciplina em cursos superiores, sua presença em congressos e o crescimento de publicações do gênero são fatores que contribuem para tal evolução. Contudo, o desenvolvimento dessa disciplina coloca certos problemas que se referem aos seus fundamentos como ramo autônomo do conhecimento sociológico. Para tratar desses problemas, é preciso considerar se a Sociologia da Arte deve ser tratada como disciplina independente ou como auxiliar. Deve-se também determinar onde e como a mesma pode ser incorporada no conjunto da Sociologia, para que não se encontre numa situação marginal. Frente a essas questões, o autor oferece uma visão sistemática e sucinta das direções que seguem as diferentes escolas do pensamento dessa área e trabalham em prol de seu desenvolvimento teórico, lançando explicações práticas e metodológicas.
O autor se refere às generalizações da Sociologia da Arte como ramo da Sociologia do Espírito, do Conhecimento e da Cultura, bem como os resultados dessa classificação. No primeiro caso, as diferentes formas de arte são tratadas como atividades do espírito individual ou social, sem distinção alguma, o que faz com que não somente prive cada uma do seu caráter particular, mas que as assimile às atividades de origem diversa. Como é o caso do sociólogo francês Georges Gurvitch que trata a Sociologia da Música, da Linguagem, da Literatura, da Arte, da Religião, do Direito, dentre outras, como pertencentes à “Sociologia das Obras da Civilização” (GURVITCH, 1977). No segundo caso, põe-se em evidência o tipo de pensamento humano correspondente a tal ou qual época e estabelece-se a relação entre pontos de vista de filósofos e intelectuais, por um lado, e correntes sociais, por outro. A Sociologia do Espírito, assim com a Sociologia do Conhecimento, engendra um modo de pensamento a priori que não pode ser avaliado por uma Sociologia da Arte de orientação empírica.
É a generalização da Sociologia da Arte como ramo da Sociologia da Cultura que permite uma classificação satisfatória, isto porque o moderno conceito de cultura engloba não só as manifestações artísticas, mas também os modelos de conduta e tipos de formação e acepção que se adquirem e se transmitem socialmente. Deste modo, o autor faz referência aos trabalhos de Alfred Von Martin, Frederick Antal, Curt Sachs e Arnold Hauser como importantes aplicações da Sociologia da Cultura à arte, principalmente porque teriam ultrapassado os limites de uma História Social, progredindo para uma interpretação sociológica.
Uma das contribuições lançadas por Alphons Silbermann é sua distinção entre História Social da Arte e a Sociologia da Arte. Segundo SILBERMANN (1971, p. 19-27), a História Social trata de fatos cujas vinculações e correlações com o estado social não obedecem a leis repetitivas, porque resultam da natureza original de grandes personalidades: as forças que põe em jogo e sua progressão não são nem constantes nem regulares. Enquanto que a Sociologia da Arte se interessa por fatos históricos, que são conduzidos por mecanismos de interação ligados ao progresso da sociedade e que obedecem, em seu desenvolvimento, a forças que a Sociologia deve analisar e descrever. Assim, autores como Wilhem Dilthey, Hans Freyer, Arnold Gehten, Marcel Belvianes e Pierre Francastel são tratados por Silbermann como “sociólogos da história”, na medida em que interpretam dados sociais da História da Arte.
O autor também faz uma distinção entre estética sociológica e reflexão estética. Enquanto a primeira, ao tratar sobre temas ligados às artes, se preocupa com o elemento coletivo, a segunda se interessa exclusivamente pelo indivíduo. Charles Lalo, Raymon Bayer e Thomas Munro são representantes da primeira tendência e Vischer, Schelling, Heinrich Wölfflin e Benedetto Croce, da segunda. Os aspectos mais significativos dos estudos de Georg Simmel, Pitirim Sorokin, Theodor Adorno e Max Weber são salientados por Silbermann, principalmente a contribuição desses autores para o desenvolvimento da Sociologia da Música, área na qual Silbermann publicou vários estudos. A partir desses autores a Sociologia da Arte tendeu cada vez mais a encarar os fenômenos artísticos tendo como suporte a análise das relações sociais. De certa forma, isso conduziu outros estudos, principalmente de inspiração filosófica, como os de Georg Lukács, Lucien Goldmann, Walter Benjamin, Etienne Souriau, Arnold Gehlen e Jean Cassou.
Sobre os sociólogos da arte de tendência empirista, SILBERMANN (1971, p. 28-31) afirma que os mesmos nunca tiveram dificuldade em reconhecer que os consumidores de arte, em todos os tempos, fizeram parte da vida artística. Contudo, no cenário da sociedade artística, a análise baseada na relação entre grupo produtor e grupo consumidor não pode ser considerada somente em termos de causa e efeito, mas também em termos de interdependência, de correlação e de interação. Deve-se considerar o espectador, o ouvinte ou o leitor em suas estruturas sociais, tratando de suas funções e de seu comportamento para obter a realização daquilo pelo que se interessa a Sociologia da Arte: a vivência artística. Os campos de ação das artes devem ser considerados à luz das relações do indivíduo ou do grupo e é a vivência artística que permite estabelecer estas relações. A vivência artística pode criar campos de ação cultural, somente ela pode ser ativa, social. Somente ela pode estar como fato social, na origem e no centro da Sociologia, delimitado e observado com uma precisão tão considerável a respeito de três dados sociais fundamentais: natureza, mutabilidade e dependência.
Por fim, a Sociologia da Arte tem como principal objetivo estudar processos artísticos totais, enunciando a interação e a interdependência do artista, da obra de arte e do público, a partir do ponto de vista de sua significação com as formas artísticas. Essa disciplina tem como objetivo estudar o artista como elemento do processo total, descrevendo-o e analisando sua situação e suas relações sociais, quer se trate de grupos de artistas criadores ou executantes. Portanto, o sociólogo da arte examina o papel de fatores tais como a origem social de certas categorias de artistas, recompilando e analisando informações sobre a origem étnica do artista, sua condição econômica, seu nível educacional, assim como dados sobre seu estilo de vida, sua resistência, seus hábitos de trabalho, seus contatos sociais e suas atitudes possíveis e reais. Deste modo, para construir a imagem completa, a Sociologia da Arte se dedica ao conhecimento sociológico da obra de arte e ao fazê-lo, não intenta analisar a obra em si mesma, mas concentra sua atenção na ação sócioartística.

A criação artística como objeto de um estudo sociológico

Entre os autores clássicos do pensamento sociológico que se interessaram pela arte como objeto de investigação, Georg Simmel obteve grande destaque. Embora o fenômeno artístico seja um tema constante em seus ensaios, estes se aproximam mais de uma abordagem estética do que sociológica[3], principalmente porque o autor concebe a obra de arte como um construto humano surgido a partir da relação de estranheza entre o “processo da vida” e a “criação da alma”. Apesar disso, Simmel nunca deixou de salientar a relação das transformações sociais e históricas com o fenômeno artístico. Um dos pontos decisivos para entender suas análises sobre a arte é a noção de cultura que norteia vários de seus escritos.
No ensaio chamado O conceito e a tragédia da cultura, SIMMEL (2005) trata da relação do ser humano com a realidade do mundo, o que dá início ao processo entre sujeito e objeto. Segundo o autor, a cultura surge a partir da aproximação entre a “alma subjetiva” e o “produto espiritual objetivo”, resultando do movimento de síntese desses dois elementos, sendo que nenhum deles a contém por si só. A partir da conclusão de uma obra cultural, esta não apenas passa a ter uma existência objetiva e uma vida própria, como passa a ter uma existência autônoma. O caráter fetichista que Karl Marx confere aos objetos econômicos à época da produção das mercadorias constitui, para Simmel, apenas um caso especial e modificado do destino dos conteúdos materiais[4]. Para Simmel, o ser humano cria algo objetivo e autônomo, que torna o caminho para o desenvolvimento do sujeito de si mesmo para si mesmo, o que constitui o conceito de cultura. Esse elemento integrante e condicionante da cultura é predeterminado a um desenvolvimento próprio, que consome continuamente forças dos sujeitos. Contudo, o desenvolvimento do sujeito não consegue acompanhar o desenvolvimento do objeto e é nesse estágio, então, que ocorre a “tragédia da cultura”.
Influenciado pelo pensamento de Simmel, Walter Benjamin trata sobre a autonomia da obra de arte, analisando as causas e consequências da destruição da aura, que consiste em tudo aquilo que é eliminado a partir do processo de reprodução, já que as obras de arte são objetos individualizados e únicos. Segundo BENJAMIN (1978), o que a reprodução produz é a alienação do objeto reproduzido do domínio da tradição. Dessa forma, a unicidade da obra da arte tem a ver com o ritual e com a tradição, já que as mais antigas obras de arte serviam a rituais mágicos e religiosos. Com a reprodução em série, a contemplação ligada à aura da obra de arte, ou seja, o valor de culto cedeu lugar ao valor de exposição e, com a exacerbação deste, aumentam as ocasiões para que as obras de arte sejam expostas.
O debate sobre a relação entre arte e sociedade leva a duas atitudes filosóficas opostas. A primeira trata da defesa da “arte pela arte”, e consiste na afirmação de que a arte só é arte se for pura, não estando ligada às circunstâncias históricas, econômicas, políticas e sociais. A segunda defende uma “arte engajada”, na qual o artista deve tomar uma posição crítica, lutando por transformar a sociedade e conscientizar o público. Essas duas atitudes são problemáticas. A primeira, porque desemboca no formalismo, em que a perfeição da forma da obra de arte é que conta e não o seu conteúdo. A segunda reserva-se ao conteudismo, no qual a mensagem que a obra de arte deve passar é a preocupação central, mesmo se esta não tiver uma força inovadora. Além disso, ao buscar compreender o papel do artista na sociedade, essas duas posições levantam uma questão filosófica a ser discutida: o artista como criador.
Entre as disciplinas que tratam da arte, a Estética é a que mais se preocupa com o processo intuitivo do artista na produção da obra de arte. Tendo como base a reflexão estética, o sociólogo mexicano Lucio Mendieta y Núñez ao considerar a arte sob o ponto de vista sociológico, define-a como um “... fenômeno social de intuição criadora que se concretiza na obra do artista, com o objetivo de suscitar no homem e na sociedade emoções estéticas, sentimentos de admiração e sublimações coletivas” (MENDIETA y NÚÑEZ, 1967, p. 54). Ao comentar sobre a conclusão a que chega o filósofo Benedetto Croce na sua obra Breviário de estética (CROCE, 2001), Mendieta y Núñez chama a atenção para algo misterioso e indescritível que é a inspiração ou a intuição do artista. Segundo o autor, a intuição é um fenômeno psicológico encontrado em diversos atos da vida humana. Assim, para distinguir a intuição artística de qualquer outra, o autor afirma que esta é intuição criadora.
O autor trata a arte como uma forma de comunicação humana, um produto social que assinala emoções estéticas ao se manifestar na vida interior dos indivíduos. Para o mesmo, “o elemento social da arte é derivado das interações humanas que, no tempo, criam uma série de conceitos, de ideias, de sentimentos coletivos nos quais o artista necessariamente se inspira, pois se dele se afasta, sua obra torna-se vazia de interesse e não pode despertar qualquer emoção.” (MENDIETA y NÚÑEZ, 1967, p. 70). Desse modo, argumenta que a Sociologia deve complementar-se com as teorias que buscam explicar a emoção estética.
Mendieta y Núñez apresenta uma proposta metodológica de Sociologia da Arte em que considera outras disciplinas que tratam sobre a arte como pontos de referência da referida disciplina, cujo objeto de estudo seria a arte em sua realidade social. Para o autor, o conteúdo da Sociologia da Arte compreenderia a arte como fenômeno social, sua relação com outros fatores sociais, as relações inter-humanas que derivam dela, a influência do meio físico e social, a influência social da arte e a síntese: a arte como fator de convivência humana. Outras questões importantes são apontadas pelo autor, como a classificação das artes em: artes musicais (música e canto); artes plásticas (arquitetura, escultura e pintura); artes literárias (poesia e prosa) e artes complexas (dança, drama, comédia, cinema e rádio).
intuição criadora, conceito tão valioso para a proposta de estudo de Mendieta y Núñez, desemboca na relação indivíduo e sociedade, tema tratado também por outros autores, como o antropólogo argentino Néstor García Canclini. Num de seus estudos, CANCLINI (1979) comenta as contribuições de Sartre em Crítica da razão dialética (SARTRE, 2002), em que se dedicou a elaborar um sistema dialético de mediações entre o social e o individual, entre a produção coletiva e a de cada artista. Para Canclini, apesar da proposta de Sartre ser inovadora, ela reincide em “antigos vícios”, como o de tratar o indivíduo e a sociedade como unidades separadas e estanques, colocando o artista solitário e o contexto social em polos opostos. Desse modo, é o predomínio da consciência individual que orienta a obra de Sartre, levando-o a acreditar que não é a condição de classe que opera no indivíduo, mas é este que inventa a partir da tomada de consciência da sua situação objetiva.
Tendo isso em vista, o autor afirma que a Sociologia é responsável por desafiar a Teoria e a História da Arte a reconhecerem os condicionamentos decorrentes da produção, circulação e consumo de bens artísticos, contribuindo para que a análise não se paute somente na idealização do artista como gênio e na sacralização das obras. Assim, a partir de algumas pesquisas sociológicas como as de Raymond Moulin e de Pierre Bourdieu, o autor chega à conclusão de que “... o objeto de estudo da estética e da história da arte não pode ser a obra, mas o processo de circulação social em que os seus significantes se constituem e variam.” (CANCLINI, 1979, p. 12). Para o autor, a Sociologia da Arte, que deveria tornar possível tal conhecimento, ainda não existe como disciplina científica fundamentada teoricamente, tendo um número considerável de pesquisas particulares que a avalizem. Essa disciplina se constitui num “campo de problemas” delimitado por estudos de orientações divergentes.
Considerando essas questões, CANCLINI (1979, p. 13-14) apresenta um esquema no qual agrupa as principais teorias que tratam sobre o fenômeno artístico em quatro orientações distintas: a Sociologia da Arte como parte de uma Sociologia do Espírito ou Sociologia das Obras da Civilização, expressão de Georges Gurvitch e da qual também fazem parte Jean Duvignaud e os historiadores da Escola de Warburg, como Aby Warburg e Erwin Panofsky; a Sociologia Empirista ou Funcionalista, representada por Vytautas, Kavolis, Robert Escarpit e Alphons Silbermann; a Sociologia Estrutural, que estuda a correlação das estruturas artísticas com as sociais e não constitui uma tendência homogênea, reunindo autores como Lucien Goldmann, Pierre Francastel e Pierre Bourdieu; e a Sociologia Marxista, representada por Georg Lukács, Boris Arvatov, Antonio Gramsci, Galvano della Volpe, Theodor W. Adorno, Walter Benjamin, entre outros.
De acordo com o autor, essa classificação não deve ser vista com rigidez, não só porque certos autores adotam contribuições das outras correntes teóricas, mas porque existe carência de um contexto teórico único. A reflexão teórica deve construir o objeto de estudo, mas é preciso pensá-la na prática, combinando o trabalho teórico com o empírico. Ao chamar a atenção para a não rigidez de sua classificação, Canclini tem em mente autores como Pierre Bourdieu, que não só foi influenciado por diferentes orientações teóricas, como conciliou teoria e prática em muitos dos estudos que realizou. É preciso salientar que, em seus estudos, Bourdieu desenvolveu uma nova maneira de tratar o fenômeno artístico, dialogando com os estudos clássicos e incorporando inovações.
Numa de suas conferências, Pierre Bourdieu afirma que “a Sociologia e a arte não fazem um bom par”. Isto porque “o universo da arte é um universo de crença, crença no dom, na unicidade do criador incriado, e a irrupção do sociólogo que quer compreender, explicar, tornar compreensível, causa escândalo” (BOURDIEU, 1983, p. 162-163). Assim, o autor questiona algumas ideias estabelecidas sobre a Sociologia da Arte e da Literatura. A primeira delas é de que a sociologia pode responder às questões relativas ao consumo cultural, mas não à produção. Já que não se pode compreender a produção naquilo que ela tem de mais específico, ou seja, enquanto produção de valor e de crença, a não ser que se considere, ao mesmo tempo, o espaço dos produtores e o espaço dos consumidores. A outra ideia estabelecida é a de que a Sociologia nivela e reduz a criação artística, colocando os grandes e os pequenos artistas no mesmo plano.
A criação artística é descrita por BOURDIEU (1983, p. 164-165) como o encontro entre um habitus socialmente constituído e certa posição também instituída, ou possível, na divisão do trabalho de produção cultural e na divisão do trabalho de dominação. Bourdieu concebe uma “Sociologia das Obras Culturais” como responsável por tomar como objeto o conjunto das relações - objetivas e efetuadas sob a forma de interações - do artista com outros artistas e, também, dele com o conjunto dos agentes engajados na produção da obra ou pelo menos do valor social da obra, como críticos, diretores de galerias e mecenas. Portanto, o autor toma como objeto o campo de produção cultural e a relação deste com o campo dos consumidores.
Os campos de produção cultural propõem um espaço de possíveis àqueles que neles estão envolvidos. Esse espaço de possíveis define o universo de problemas, de referências e de marcas intelectuais dos produtores culturais de determinada época, fazendo com que estejam situados uns em relação aos outros. Além de situados e datados, os produtores culturais são relativamente autônomos em relação aos determinantes do ambiente econômico e social. Assim, cada artista ou literato só existe e subsiste de acordo com as limitações do campo, criando seu próprio projeto criador em função da sua percepção das possibilidades disponíveis e inscritas em seu habitus[5], por certa trajetória e pela escolha ou recusa dos possíveis. Portanto, para compreender uma obra cultural é preciso compreender também o campo de produção e a posição do produtor nesse espaço.

Os métodos de interpretação documental

Nos seus primórdios, são escassas as pesquisas da Sociologia que utilizam materiais visuais ou fazem uso de um estilo literário. Uma das razões dessa exclusão se deve ao caminho que essa disciplina teve que seguir para poder afirmar seu estatuto científico. Segundo MARTÍNEZ (2006), para que a Sociologia se estabelecesse como ciência, os sociólogos se viram obrigados a abandonar os elementos visuais e literários de seus estudos e elaborarem métodos ligados ao conhecimento das Ciências Exatas, que ofereciam maiores possibilidades de expor os dados da sociedade. Portanto, foram deixados de lado todos os materiais, documentos e métodos que não apontassem para um conhecimento quantificável.
Essa exclusão de materiais visuais na Sociologia fez com que os métodos utilizados pelos sociólogos não se tornassem adequados para a análise e a utilização de imagens. O sociólogo que atualmente pretende utilizar imagens em suas investigações terá que enfrentar essa questão. Em seu artigo, MARTÍNEZ (2006) comenta sobre o método de interpretação documental do sociólogo Karl Mannheim como um modelo exemplar para fazer uso da imagem em Sociologia. A adequação do método de MANNHEIM (1986) à análise de imagens se deve ao fato de que o autor elaborou um método de interpretação dos fenômenos culturais baseando-se nos avanços metodológicos da História da Arte, campo em que os documentos visuais estão no centro de interesse do pesquisador. Utilizado no campo da Estética, o método imanente consiste em descrever os aspectos estéticos formais de uma obra de arte, analisando características estéticas e temáticas presentes nela. Não se trata do método genético de estudar a obra em si, mas analisar o contexto social e histórico em que ela foi feita. Mannheim encontra a síntese entre o método do imanente e o método genético no método que denomina interpretação documental.
Na História da Arte, Erwin Panofsky desenvolveu um método de interpretação documental em três níveis semelhante ao de Karl Mannheim. A definição de seu método iconológico aparece primeiramente na obra Estudos de iconologia, publicado originalmente em 1939 (PANOFSKY, 1995). Esse texto, que foi reeditado como introdução do livro Significado nas artes visuais (PANOFSKY, 2007), apresenta um método de abordagem da obra de arte a partir de três operações relacionadas. O autor define esses três níveis tendo como objeto de interpretação no tema ou significado da obra de arte. O primeiro deles é o tema primário ou natural, que se divide em fatual expressional e que constitui o mundo dos motivos artísticos. A enumeração desses motivos resulta na descrição pré-iconográfica que, por sua vez, procede da interpretação feita a partir da familiaridade com objetos e eventos. O tema secundário ou convencional é apreendido pela percepção a partir da ligação de motivos artísticos com assuntos e conceitos, constituindo, então, o mundo das imagens, estórias e alegorias. Nesse nível, o ato de interpretação é conhecido como análise iconográfica, que necessita do conhecimento de fontes literárias. O significado intrínseco ou conteúdo é um princípio que sublima e explica os acontecimentos visíveis e sua significação inteligível e que determina até a forma sob a qual o acontecimento visível se manifesta. Constitui o mundo dos valores simbólicos, cuja análise é a interpretação iconológica e que necessita de uma intuição sintética, ou seja, da familiaridade com as tendências essenciais da mente humana, condicionada pela visão de mundo do intérprete.
Diante disso, vale ressaltar a importância do método de interpretação documental elaborado por Panofsky e, ainda, a grande contribuição que seus estudos trouxeram para o desenvolvimento das pesquisas em História da Arte nos primórdios do século XX. Além do mais, no âmbito da Sociologia contemporânea, suas obras influenciaram de forma decisiva as teorias desenvolvidas por Pierre Bourdieu, tanto em torno do conceito de habitus, que possui forte referência às análises realizadas por Panofsky em Arquitetura gótica e escolástica (PANOFSKY, 2001)[6], como em seus estudos sobre o fenômeno artístico, que forneceram uma nova direção às pesquisas em Sociologia da Arte. Pode-se citar dentre esses últimos, a obra Un art moyen, na qual BOURDIEU (1965) trata a fotografia como uma produção social e expressão de uma cultura específica, não como uma linguagem, diferentemente de como fazem os estudos de Semiótica e de Estética. O autor realiza uma análise dos processos de interiorização da objetividade que conduz a constituição de sistemas de disposições conscientes e perduráveis que são os costumes e os ethos de classe.
Outro estudo importante é Images d’Algérie (BOURDIEU, 2003), que inclui fotos da época em que o sociólogo realizou alguns estudos etnográficos na Argélia. Bourdieu viveu na Argélia durante o período da Guerra de Libertação, quando cumpria serviço militar. Depois, realizou atividades como docente no país, assumindo o cargo de professor assistente na Faculdade de Letras de Argel. Nesse momento de sua trajetória intelectual se concretizou sua passagem da Filosofia para as Ciências Sociais, especificamente a Etnologia. Essa obra começou a ser organizada pelo autor e só foi publicada após seu falecimento. Trata-se de um livro-catálogo planejado para uma exposição levada para o Instituto do Mundo Árabe e realizada entre 23 de janeiro a 2 de março de 2003, em Paris. Ela mostrou cerca de 120 das 2000 fotografias feitas por Bourdieu na Argélia, entre 1958 e 1961[7].
As fotos publicadas nessa obra serviram para sustentar suas análises acerca dos costumes e práticas dos argelinos, feitas em seus estudos sobre a etnologia Cabila (BOURDIEU, 2002). Dentre outras coisas, o autor fotografou homens e mulheres, idosos e crianças em suas atividades cotidianas, observando o comportamento desse povo e as relações de gênero e de gerações. É visível em seus registros a maneira de vestir dos argelinos e a posição corporal dos mesmos, estas que são tratadas pelo autor como hexis corporal, ou seja, como a incorporação das estruturas manifestada nas relações sociais, como características “moldadas no corpo”. Bourdieu mostra em suas fotografias a relação modernidade versus tradição na Argélia, constatando a presença do capitalismo e as formas de comércio local. Ele ainda registra a paisagem local e a interferência humana, indicando de que forma se dava a relação dos habitantes daquela região com o ambiente geográfico.
Em seus trabalhos, Bourdieu faz uso de imagens tanto como objeto de estudo, como técnica documental. Em A distinção, BOURDIEU (2007) apresenta uma análise do ethos e do gosto como a ética e a estética realizadas nos indivíduos. Sua densa pesquisa concilia teoria sociológica e pesquisa empírica fazendo uso de materiais visuais variados, desde fotografias amadoras até fotografias artísticas, pinturas e imagens publicitárias, além de vários tipos de gráficos. Outro estudo importante realizado por ele é O amor pela arte (BOURDIEU e DARBEL, 2003). Apesar de não utilizarem imagens reais nessa obra, os autores analisam o consumo estético e o imaginário visual, estudando o perfil do público e a frequência de visita aos museus, o acesso aos bens artísticos e a organização do gosto conforme a origem social, ele mostra como o gosto pode ser explicado como uma qualidade adquirida na vida social. Os autores chegam à conclusão de que para as camadas sociais médias o gosto é funcional, possuindo um valor útil que se apresenta nas práticas cotidianas diferentemente da representação erudita e estética, para as quais as camadas cultas, recebem um longo treinamento do olhar para adquirir a capacidade de ler as obras pelo ponto de vista formal. Essa abordagem, presente em toda a produção científica do autor acerca do objeto artístico, despertou várias polêmicas e trouxe uma nova perspectiva para os estudos de Sociologia da Arte.

Considerações finais

Em seu conjunto, os estudos clássicos da Sociologia da Arte não conseguiram sistematizar um corpo teórico para tratar sobre o fenômeno artístico, conservando abordagens específicas sem grandes avanços metodológicos. Porém, as análises realizadas por autores como Simmel e Benjamin já apontavam a complexidade e a autonomia da obra de arte enquanto objeto cultural. Em parte, pode-se considerar que os avanços metodológicos se deram a partir dos métodos propostos por Mannheim e Panofsky, que salientaram a importância dos aspectos formais da obra de arte para tratar do contexto social e histórico em que ela foi realizada.
Partindo dessas leituras, a obra de arte pode ser encarada tanto como uma forma de conhecimento sociológico sobre o artista, quanto um objeto em si mesma, pois esta possui um estilo próprio e faz referência aos aspectos históricos e sociais vivenciados pelo artista. É justamente nesse ponto que se situa a importância da vivência artística, que Silbermann elegeu como principal interesse da Sociologia da Arte. Contudo, a proposta metodológica e os conceitos desenvolvidos por Bourdieu contribuíram de forma significativa para o avanço e o estatuto científico da Sociologia da Arte. Tanto que os conceitos de habitus e campo, aliados às noções de estilo de vida e gosto, ganharam cada vez mais espaço em pesquisas recentes da disciplina em questão.
Embora Mendita y Núñez chame a atenção para a intuição criadora do artista como fator determinante para que a obra de arte desperte emoção estética, é preciso lembrar, conforme salientam Canclini e Bourdieu, de que a Sociologia da Arte não pode se pautar em análises que considerem o artista e a sociedade como unidades separadas. Isso porque a crença no dom do artista, ou seja, do “criador incriado”, é insuficiente para o desenvolvimento de estudos sobre o fenômeno artístico. Por essa via, a Sociologia da Arte consegue avançar metodologicamente, no sentido de que pode fornecer uma abordagem diferente da História da Arte, da Estética, da Semiótica e até mesmo da Sociologia Visual, consideradas disciplinas afins e para as quais pode contribuir.

Referências bibliográficas

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[1] Um objetivo semelhante, mas com enfoque na história da disciplina, foi realizado pela socióloga francesa Nathalie Heinich na obra A Sociologia da Arte (HEINICH, 2008). 
[2] Trata-se da Introdução da obra Les arts dans la societé, uma coletânea temática que apresenta estudos de Pierre Bourdieu, Rober L. Brown, Roger Clausse, Vladimir Karbusicky, Heinz Otto Luthe e Bruce Watson. A versão utilizada aqui é a tradução argentina, em espanhol, publicada em 1971.
[3] A obra de Georg Simmel é vasta e com ampla abordagem temática. Os ensaios Estética e Sociologia (SIMMEL, 1998), Filosofia da paisagem (SIMMEL, 1996) e El problema del estilo (SIMMEL, 2000) podem fornecer um panorama de sua produção acerca do fenômeno artístico.
[4] No primeiro capítulo da obra O Capital, Marx trata sobre o processo de abstração relacionado à mercadoria, que constitui a base da alienação – ação pela qual um indivíduo ou grupo se torna estranho aos resultados ou produtos, substituindo a totalidade que expressa o universal e o concreto, pela imediaticidade. Ao se distanciar da natureza e de sua atividade criadora, o ser humano passa a ser apenas uma coisa e o objeto passa a ter mais valor que ele próprio (MARX, 1983).
[5] Em suas obras, Pierre Bourdieu define habitus como um “sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes” (BOURDIEU, 2004). O habitus constitui o produto de interiorização das estruturas objetivas que tendem a produzir práticas e carreiras objetivamente ajustadas às mesmas.
[6] Bourdieu traduziu essa obra de Panofsky para o francês e elaborou um Posfácio em que discute sobre o conceito de habitus. Esse texto ganhou um novo título pelo autor quando editado em português, sendo chamado: Estrutura, habitus e prática (BOURDIEU, 2004).
[7] Algumas dessas fotografias foram publicadas no Brasil pela Revista de Sociologia e Política (2006, p. 97-123) e no livro Esboço de autoanálise (BOURDIEU, 2005, p. 23-32).